sexta-feira, 17 de março de 2017

Resultado de imagem para FOTO DE GREGORIO DE MATOS GUERRA

Esse soneto, de Gregório de Matos Guerra, é uma reflexão do que ele vivenciava no século XVII na Bahia, e que infelizmente em pleno século XXI, tantas gerações AINDA vivenciam no Brasil. 


Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço crescer o peso, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas juntas andam mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais fecundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos
Ser louco c’os demais, que só sisudo.

domingo, 20 de novembro de 2016









Coisa de bêbado

         Era tarde da noite que chovia.
         A parada de ônibus localizada na frente do aeroporto internacional de Belém, naquele horário, estava lotada de trabalhadores por conta da troca de turno. Não havia a essa altura, na parada de ônibus, nem um vendedor de bombons e cigarros. 
O cansaço era visível naquelas criaturas de semblantes sonolentos na sua maioria. Vez por outra, um bocejo mais expressivo quebrava o silêncio. A chuva, o silencio, aquele horário, o clima, tudo enfim, despertava mesmo nas pessoas o desejo irrefreável de encontrar sua cama, sua rede como é muito comum em nossa região. A chuva suscita esse ânimo em nosso ser, de querer se aninhar.
O ônibus parecia estar atrasado no seu horário, pois o número de pessoas era considerável naquele pequeno espaço designado para a espera do coletivo. Os que paravam, era só para desembarque de passageiros, ninguém subia por quê ia para o fim da linha.  Em um deles, desce um casal de estrangeiros. Brancos como eles só, de bermuda, mochilão nas costas. Ficaram ali, parados na chuva, de frente para aquelas pessoas amontoadas que disputavam sob aquela pequena cobertura um espaço que lhes garantisse abrigo da chuva que não cedia.
O casal de estrangeiros olha-se, e arisca em espanhol, uma informação sobre transporte que vai para o centro da cidade. Um bêbado, que até então cochilava recostado em um banco que fazia parte do abrigo, põe-se logo muito solícito, a disposição do casal de estrangeiros, tentando auxiliá-los. Assim, o borracho, tropeçando na nossa nada fácil língua portuguesa, gesticulava sem cerimônia alguma, num esforço supremo de informar. Olhava para os que estavam na parada de ônibus esperando desses, a confirmação de suas informações e também apoio. Uns se coçavam, outros fingiam estar ocupados a cata de moedas no bolso, outros se punham com o olhar distante, mas o bebido, não se dava por vencido, cutucava um, falava com outro no famoso:  “Ei, psiu! Psiu! ” Tornando a cena Dantesca.
Carlos, depois de muito observar, aproxima-se e pergunta em espanhol, se eles falavam Inglês, e então a comunicação flui. Questão resolvida, o bêbado para titubeante diante de Carlos a olhá-lo da cabeça aos pés, balançando afirmativamente a cabeça. Depois, vira-se para os presentes no ponto de ônibus e muito íntimo de Carlos, cheio de altivez exclama:

— Não... aí, estudou! Aí estudou messsmooo! Tá vendo só?!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016



Interações sociais

Do lado da loja Esplanada, na calçada da Rua 13 de Maio no bairro do Comércio, uma tacacazeira termina de arrumar o carro de comidas típicas e inicia a atender os fregueses. É hora do almoço. De repente começa a encher de gente o ponto de vendas.
         Cuido de tomar assento rapidamente e peço um caruru que demora a ser servido, pois na frente do meu pedido, há um monte de pedidos outros. Começo então a observar.
A nossa gente cabocla, come gostoso. 
O simples cheiro do nosso tempero nos enche a boca d’água. Comem pimenta, “muita”... E é a de cheiro, arde “puco” mano! Eu mesma não tenho coragem, a gente chega a lagrimar.
O sol quente, o calor de trinta e cinco graus, a comida nada recomendável, mais... o cheiro! Quem aguenta mano? Quando passo nas esquinas do comércio de Belém na hora do almoço dos marreteiros, justo quando eles estão abrindo aquelas marmitas com feijão e jabá, carne assada, macarrão, arroz... Égua maninho! E a farinha!? Para mim tem que ser d’água, amarela e de paneiro! Não tem pequeno, cumê, é o nosso!
Ninguém cozinha mais gostoso do que o povo paraense, essa comidinha trivial que é o arroz com feijão de todo dia. E o mais engraçado é que a gente nunca enjoa.  Já a comida de restaurante, no quinto dia, já não queres mais.
         Quando eu passo por aqueles marreteiros na hora do almoço, apuro o nariz, a boca saliva, só falto pedir uma “bucada”.
         O tempero lambuzando toda a colher, o macarrão vermelho de colorau, a farinha se misturando com o feijão. E o macarrão?! Mais aquele pedaço de carne assada ou galinha que pode ser guisado, frita ou assada. É irresistível “sumano”.
         O meu pedido chegou. Têm por cima do caruru umas folhas de jambu e uns camarões, o tucupi escorre para a beira do prato, minha boca enche de água só d’eu olhar. De repente, um mendigo, um morador de rua, não sei bem (na verdade, o homem parece ter os dois status), se aproxima do carro restaurante. Ele possui também dificuldade de comunicação. A proprietária do carrinho sinaliza para ele esperar, e ele atende sereno. A criatura é visivelmente doente.
A tacacazeira prepara um farto prato de comida, entrega para o homem e recomenda com gestos que ele se afaste. O homem obedece. Ambos, sem proferir palavra alguma estabeleceram uma rápida e exitosa comunicação. Nenhum comentário teceu a mulher, nem mesmo com os fregueses. Alias ninguém falou nada.
         Chamou-me atenção imensamente, a tez tranquila daquela mulher. Nenhum traço de aborrecimento, de repúdio, de pena. Limitou-se a fazer o prato de comida e doá-lo ao indigente, que sumiu dali.  Essa atitude de serenidade da tacacazeira manteve o clima em torno do carrinho de comida, sóbrio. Nenhum mal-estar, nenhuma atitude de comiseração.
As pessoas simplesmente continuaram se alimentando, sossegadas, ligadas tão somente nos seus particulares. Tudo por conta da tranquila atitude da proprietária do bendito carrinho de comidas típicas.
Há que se ter competência de ser humano.



segunda-feira, 30 de maio de 2016




O TROCO
Em frente do prédio no qual morávamos, Edgar chamava-me vigorosamente sem que eu o escutasse, certamente havia esquecido alguma coisa e ele me pediria que jogasse pela janela como era comum a todos os membros da família ao saírem do apartamento para alguma tarefa externa. Por mais que eu avisasse para que se organizassem no intuito de não esqueceram chaves, documentos e os etc... Sempre ficava alguma coisa por levar. Sem êxito, posto que eu não me encontrava em casa, ele se viu obrigado a subir os seis lances de escada para pegar o que havia esquecido, e ao abrir a porta da sala, depara-se com Carlos muito bem acomodado no sofá assistindo televisão.
O senhor não me escutou chamando a mamãe?! Chamando a mamãe?! Chamando mamãe?!
Escutei!  Responde Carlos tranquilamente.
E então por que não me atendeu?
Porque não sou mãe. Eu sou pai!
Pasmo com a resposta, Edgar resolveu sua questão e soltando “fogo pelas ventas”, saiu.
Muitos meses se passaram. Numa certa tarde Carlos põe-se a chamar-me na frente do dito prédio de apartamentos.
Julinha?! Julinha?! Minha mulher?! Minha mulher?! E como eu não estivesse em casa, ele se viu obrigado a escalar os seis árduos lances de escada para pegar o que havia esquecido. Eeee... ao ingressar na sala, depara-se com Edgar refestelado no sofá assistindo tv. Então Carlos dirige-se ao filho interpondo-se entre Edgar e a televisão e pergunta:
Tive que subir essa escadaria toda e você aqui na sala?! Você não me ouviu chamar repetidas vezes? No que Edgar tranquilamente respondeu:
Ouvi! Mas eu sou teu filho, não sou tua mulher!

sexta-feira, 23 de outubro de 2015




                               De beira à margem

                                 Não é mais beira
                                 Que abrigava a CDP inteira,
                                 Agora virou margem
                                 Aloja a Estação... das Docas.
                                 A Guajará tem nova roupagem
                                 Outra configuração!

                                De lá, se aprecia a garça voar,
                               A chuva arriar,                                 
                               E o pouso do avião.

Belém, 30 de maio de 2009.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015









                                O Outono que já vem

Os brancos de meus cabelos
Não se deixam mais colorir
E o outono de minha vida
Que ainda esta por vir
Parece se antecipar
Nas ditas marcas do tempo
Que já tomam seu lugar.

sábado, 5 de setembro de 2015



OS QUINTAIS DE BELÉM

   
 Belém tem uns encantamentos que não tem fim.
          Umas esquinas de ontem que dão um ar bucólico à cidade que insiste em não mudar de século.
          Uns quintais... Ah! Os quintais de Belém... Em pleno centro da cidade, com goiabeiras e touceiras de açaí, pé de sapoti e abacateiro. Chicórias brotam pelos cantos, coentros são plantados. Erva cidreira, canela, capim santo, tudo pra fazer chá, que cura... Cólica, dor de cabeça, insônia, acalma... Alimenta!
          Deve ser por causa das chuvas que tudo brota assim, sem muitos zelos, vai crescendo.
          E os jardins?... Nesses não faltam papoulas, Jasmim Buquê e Estrela, e Tajá então? Espada de São Jorge?! Zina, Crista de Galo, e Cravo?! Flores de sempre em Belém, Flores de minha infância, minha mocidade e de minha maturidade também.
           É comum encontrar nos jardins das casas e até mesmo das repartições (que palavra mais antiga!), mamoeiros. Sempre tem um pé de mamão.
          Agora mesmo, estou na casa da Linguagem localizada na Avenida Nazaré onde tem um espaço que fica a baixo do nível da rua, bancos de praça... Um coreto. É um jardim que lembra muito as casas e fazendas Espanholas e Mexicanas, pois o quintal ou o jardim fica pra dento fazendo das paredes da casa grande, o muro. Pois nesse jardim na casa da Linguagem, no centro da cidade de Belém tem alguns pés de mamão plantados. Encontram-se agora carregados do apreciado fruto. Há que disputá-los ainda com as pipiras, apreciadoras contumazes do natural produto. Estão assim, postos à conta de adorno, mas que alimenta... A seiva da abelha, o bico do Beija Flor, as gentes e suas lembranças. É o bucolismo de Santa Maria de Belém do Grão Pará.