Interações sociais
Do lado da loja Esplanada, na calçada da Rua 13 de Maio
no bairro do Comércio, uma tacacazeira termina de arrumar o carro de comidas
típicas e inicia a atender os fregueses. É hora do almoço. De repente começa a
encher de gente o ponto de vendas.
Cuido
de tomar assento rapidamente e peço um caruru que demora a ser servido, pois na
frente do meu pedido, há um monte de pedidos outros. Começo então a observar.
A nossa gente cabocla, come gostoso.
O simples cheiro do nosso tempero nos enche a boca
d’água. Comem pimenta, “muita”... E é a de cheiro, arde “puco” mano! Eu mesma
não tenho coragem, a gente chega a lagrimar.
O sol quente, o calor de trinta e cinco graus, a
comida nada recomendável, mais... o cheiro! Quem aguenta mano? Quando passo nas
esquinas do comércio de Belém na hora do almoço dos marreteiros, justo quando
eles estão abrindo aquelas marmitas com feijão e jabá, carne assada, macarrão,
arroz... Égua maninho! E a farinha!? Para mim tem que ser d’água, amarela e de
paneiro! Não tem pequeno, cumê, é o nosso!
Ninguém cozinha mais gostoso do que o povo
paraense, essa comidinha trivial que é o arroz com feijão de todo dia. E o mais
engraçado é que a gente nunca enjoa. Já
a comida de restaurante, no quinto dia, já não queres mais.
Quando
eu passo por aqueles marreteiros na hora do almoço, apuro o nariz, a boca
saliva, só falto pedir uma “bucada”.
O
tempero lambuzando toda a colher, o macarrão vermelho de colorau, a farinha se
misturando com o feijão. E o macarrão?! Mais aquele pedaço de carne assada ou
galinha que pode ser guisado, frita ou assada. É irresistível “sumano”.
O meu
pedido chegou. Têm por cima do caruru umas folhas de jambu e uns camarões, o
tucupi escorre para a beira do prato, minha boca enche de água só d’eu olhar. De
repente, um mendigo, um morador de rua, não sei bem (na verdade, o homem parece
ter os dois status), se aproxima do
carro restaurante. Ele possui também dificuldade de comunicação. A proprietária
do carrinho sinaliza para ele esperar, e ele atende sereno. A criatura é
visivelmente doente.
A tacacazeira prepara um farto prato de comida,
entrega para o homem e recomenda com gestos que ele se afaste. O homem obedece.
Ambos, sem proferir palavra alguma estabeleceram uma rápida e exitosa
comunicação. Nenhum comentário teceu a mulher, nem mesmo com os fregueses. Alias
ninguém falou nada.
Chamou-me
atenção imensamente, a tez tranquila daquela mulher. Nenhum traço de
aborrecimento, de repúdio, de pena. Limitou-se a fazer o prato de comida e
doá-lo ao indigente, que sumiu dali.
Essa atitude de serenidade da tacacazeira manteve o clima em torno do
carrinho de comida, sóbrio. Nenhum mal-estar, nenhuma atitude de comiseração.
As pessoas simplesmente continuaram se alimentando,
sossegadas, ligadas tão somente nos seus particulares. Tudo por conta da
tranquila atitude da proprietária do bendito carrinho de comidas típicas.
Há que se ter competência de ser humano.