domingo, 20 de novembro de 2016









Coisa de bêbado

         Era tarde da noite que chovia.
         A parada de ônibus localizada na frente do aeroporto internacional de Belém, naquele horário, estava lotada de trabalhadores por conta da troca de turno. Não havia a essa altura, na parada de ônibus, nem um vendedor de bombons e cigarros. 
O cansaço era visível naquelas criaturas de semblantes sonolentos na sua maioria. Vez por outra, um bocejo mais expressivo quebrava o silêncio. A chuva, o silencio, aquele horário, o clima, tudo enfim, despertava mesmo nas pessoas o desejo irrefreável de encontrar sua cama, sua rede como é muito comum em nossa região. A chuva suscita esse ânimo em nosso ser, de querer se aninhar.
O ônibus parecia estar atrasado no seu horário, pois o número de pessoas era considerável naquele pequeno espaço designado para a espera do coletivo. Os que paravam, era só para desembarque de passageiros, ninguém subia por quê ia para o fim da linha.  Em um deles, desce um casal de estrangeiros. Brancos como eles só, de bermuda, mochilão nas costas. Ficaram ali, parados na chuva, de frente para aquelas pessoas amontoadas que disputavam sob aquela pequena cobertura um espaço que lhes garantisse abrigo da chuva que não cedia.
O casal de estrangeiros olha-se, e arisca em espanhol, uma informação sobre transporte que vai para o centro da cidade. Um bêbado, que até então cochilava recostado em um banco que fazia parte do abrigo, põe-se logo muito solícito, a disposição do casal de estrangeiros, tentando auxiliá-los. Assim, o borracho, tropeçando na nossa nada fácil língua portuguesa, gesticulava sem cerimônia alguma, num esforço supremo de informar. Olhava para os que estavam na parada de ônibus esperando desses, a confirmação de suas informações e também apoio. Uns se coçavam, outros fingiam estar ocupados a cata de moedas no bolso, outros se punham com o olhar distante, mas o bebido, não se dava por vencido, cutucava um, falava com outro no famoso:  “Ei, psiu! Psiu! ” Tornando a cena Dantesca.
Carlos, depois de muito observar, aproxima-se e pergunta em espanhol, se eles falavam Inglês, e então a comunicação flui. Questão resolvida, o bêbado para titubeante diante de Carlos a olhá-lo da cabeça aos pés, balançando afirmativamente a cabeça. Depois, vira-se para os presentes no ponto de ônibus e muito íntimo de Carlos, cheio de altivez exclama:

— Não... aí, estudou! Aí estudou messsmooo! Tá vendo só?!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016



Interações sociais

Do lado da loja Esplanada, na calçada da Rua 13 de Maio no bairro do Comércio, uma tacacazeira termina de arrumar o carro de comidas típicas e inicia a atender os fregueses. É hora do almoço. De repente começa a encher de gente o ponto de vendas.
         Cuido de tomar assento rapidamente e peço um caruru que demora a ser servido, pois na frente do meu pedido, há um monte de pedidos outros. Começo então a observar.
A nossa gente cabocla, come gostoso. 
O simples cheiro do nosso tempero nos enche a boca d’água. Comem pimenta, “muita”... E é a de cheiro, arde “puco” mano! Eu mesma não tenho coragem, a gente chega a lagrimar.
O sol quente, o calor de trinta e cinco graus, a comida nada recomendável, mais... o cheiro! Quem aguenta mano? Quando passo nas esquinas do comércio de Belém na hora do almoço dos marreteiros, justo quando eles estão abrindo aquelas marmitas com feijão e jabá, carne assada, macarrão, arroz... Égua maninho! E a farinha!? Para mim tem que ser d’água, amarela e de paneiro! Não tem pequeno, cumê, é o nosso!
Ninguém cozinha mais gostoso do que o povo paraense, essa comidinha trivial que é o arroz com feijão de todo dia. E o mais engraçado é que a gente nunca enjoa.  Já a comida de restaurante, no quinto dia, já não queres mais.
         Quando eu passo por aqueles marreteiros na hora do almoço, apuro o nariz, a boca saliva, só falto pedir uma “bucada”.
         O tempero lambuzando toda a colher, o macarrão vermelho de colorau, a farinha se misturando com o feijão. E o macarrão?! Mais aquele pedaço de carne assada ou galinha que pode ser guisado, frita ou assada. É irresistível “sumano”.
         O meu pedido chegou. Têm por cima do caruru umas folhas de jambu e uns camarões, o tucupi escorre para a beira do prato, minha boca enche de água só d’eu olhar. De repente, um mendigo, um morador de rua, não sei bem (na verdade, o homem parece ter os dois status), se aproxima do carro restaurante. Ele possui também dificuldade de comunicação. A proprietária do carrinho sinaliza para ele esperar, e ele atende sereno. A criatura é visivelmente doente.
A tacacazeira prepara um farto prato de comida, entrega para o homem e recomenda com gestos que ele se afaste. O homem obedece. Ambos, sem proferir palavra alguma estabeleceram uma rápida e exitosa comunicação. Nenhum comentário teceu a mulher, nem mesmo com os fregueses. Alias ninguém falou nada.
         Chamou-me atenção imensamente, a tez tranquila daquela mulher. Nenhum traço de aborrecimento, de repúdio, de pena. Limitou-se a fazer o prato de comida e doá-lo ao indigente, que sumiu dali.  Essa atitude de serenidade da tacacazeira manteve o clima em torno do carrinho de comida, sóbrio. Nenhum mal-estar, nenhuma atitude de comiseração.
As pessoas simplesmente continuaram se alimentando, sossegadas, ligadas tão somente nos seus particulares. Tudo por conta da tranquila atitude da proprietária do bendito carrinho de comidas típicas.
Há que se ter competência de ser humano.