Júlia já havia ido naquele estande cinco
vezes. Deixara recados e bilhetes com quantos se dispusessem a dar-lhe atenção.
Pela
manhã ao ter na rua da casa de sua mãe, a quem fora visitar a informação de que
aquela pessoa estava na terrinha, encheu-se de certeza de que, daquela data não
passava o reencontro que já abria um hiato de vinte anos de separação entre
aqueles amigos de adolescência.
Tudo
parecia convergir para o encontro. A filha, acadêmica de artes, precisava ir ao
Seminário Cultural da Amazônia, e quem teria que levá-la era Júlia, pois o pai
estava cumprindo escala de serviço. Na agenda de compromissos nenhum
impedimento, todo o tempo do mundo, portanto, era inevitável o tão esperado
reencontro se concretizar, daquela data não passava. Mas Júlia já havia estado
no estande de Rondônia cinco vezes e nada, o homem era escorregadio,
solicitadíssimo. A certa altura, já sabia da amiga e também se pusera a
enviar-lhe recados. Os participantes do seminário já até os conheciam e sabiam
dos amigos e do então anunciado reencontro, mas o tão esperado momento não se
cumpria.
Exausta,
Júlia decide ir para casa se refazer juntamente com a filha. Voltaria mais
tarde de qualquer forma, pois, a filha precisava assistir por conta do trabalho
universitário a uma apresentação de balé.
No caminho
para casa recordava-se de momentos da adolescência vividos com aquele amigo em
especial. A filha era capaz de identificá-lo de tanto que já ouvira falar das
peripécias do Serjão, personagem constante nas recordações e narrativas de Júlia,
quando se punha a lembrar de tempos passados. Serjão era figura simpática,
muito bem humorado, contador de piadas, aquele amigo da turma que consegue
estar sempre de bem com a vida, mesmo se metendo em enrascadas e levando junto
até aqueles que delas (das enrascadas), queriam distância e se preservavam
contra situações embaraçosas como era o caso de Júlia. Cheia de recatos, de
atitudes por vezes cerimoniosas; e o verbo então? Esse, nem se fala! Mas tinha
um amigo como Serjão, e querido. Bem, dizem que os opostos se atraem não é
mesmo? E depois, ficava claro que Serjão tinha lá seu Fetiche.
Júlia se
perguntava: como deveria estar o Serjão? Casado? Quantos filhos? E a esposa?
Era legal com ele? Pois de uma coisa Júlia tinha certeza apesar dos tempos de
distanciamento: o amigo não haveria de ter perdido aquele espírito prazenteiro
e peculiar da adolescência. Serjão era sem dúvidas daquele tipo de gente que
nunca envelhece um eterno jovem. Acreditava, porém, que havia mudado o
comportamento no sentido dos tratamentos, por força da idade e dos cargos que
agora provavelmente lhe competiam no lar, no trabalho. Ora, isso havia. Estava
até participando de um evento da envergadura do Semanário Cultural da Amazônia.
De volta ao
local do evento, Júlia decide entrar logo na enorme fila que se formou para
ingressar no teatro, garantindo assim o lugar da filha. De longe, avista uma
pessoa no início da fila, uma criatura alta, de costas para Júlia que, entretanto
lhe parecia familiar; então entrega a bolsa nas mãos da filha, e de vagar vai
dirigindo-se para aquela pessoa de quase dois metros de altura, larga como um
armário de porta aberta (como se costuma dizer das pessoas grandes). Pé ante
pé, Júlia caminha cautelosa, já com um meio sorriso no rosto e antes de abordar
a criatura, esta, vira-se como pressentindo que estava sendo observada, e num
gesto de felicidade quase infantil, abre os enormes braços, um imenso sorriso e
caminha para um abraço saudoso e feliz composto por uma saudação vigorosa e
definitivamente pertinente ao tão querido amigo Serjão que ao vê-la exclama
feliz:
— Puta
merda!!!!!!