ÍMPAR, PAR
Aquela
bola havia surgido do nada.
A
situação que antecedia sua aparição era terrível. Um tédio quase melancólico
(se é que se pode sentir melancolia nessa idade) tomava conta daqueles dois
seres jovens nas suas existências. Uma languidez se apossava daqueles físicos
mirrados.
Debaixo
daquela frondosa árvore, sem assunto, sem nada para fazer. Estavam assim.
Naquele momento tudo o que tinham para se distrair era apreciar uma formiguinha
que passava sorrateira, provocando inveja por conta de tantos preenchimentos de
vida. Um ou outro inseto que saltava naquela grama, ora verde, ora seca, por
entre um ou outro arbusto de mato mais crescido. Um suspiro aqui, outro ali.
Assim,
a tarde caía tediosa, lenta, as horas se arrastavam.
Vez
por outra, a brisa marinha vinha embalar os galhos daquela árvore que abrigava
as duas pessoas que se refugiavam na sua sombra, bom a fazerem de banco sua
volumosa raiz.
De
vez em quando se olhavam lânguidos, suspiravam fundo e, tornando a descansar o
queixo numa das mãos, volviam a posição de silêncio e reflexão, como se o mundo
lhes pesasse, como se a vida lhes fosse um estorvo sem fim, sem cor, sem sabor.
Do
nada, simplesmente do nada, de repente aquela bola surge rolando lentamente no
gramado, alegre, convidativa, transformando o drama, e como num sopro
gigantesco e instantâneo, aqueles dois seres foram tomados de uma imensa
alegria. Olharam-se simultaneamente como numa cena ensaiada, sorriram
mutuamente, saltaram imediatamente para o meio de um campinho que existia logo
adiante, compartilhando quase que telepaticamente da mesma ideia:
—
Vamos brincar?!
—
“Vamu!” — falando erado ainda o nosso personagem.
—
Vai pro gol. Eu chuto e tu defende! — Foi a proposta inicial.
—
Ah não! Eu que “chuti!”.
—
Essa não... Quem chuta sou!
—
Ah não, primeiro eu!
—
Então tá bom, vamos tirar par ou impar!
—
Tá bom, tá certo!
—
Um, dois, três e já: ímpa!
—
Par!
Estendidas
as mãos, puseram-se a olhar um para outro. Renan e Felipe contavam à época uns
quatro anos de idade; não sabiam identificar par nem ímpar. Eles apenas
repetiam os gestos dos adolescentes que assistiam jogar bola no mesmo campinho
na vila em que moravam.
Renan
segurava firmemente a bola numa das mãos e Felipe, sério, atento ao menor
movimento do parceiro como se estivesse a espreita de uma caça. Assim ficaram
por algum tempo, cismando um com o outro. Até que Felipe teve a ideia e
mandando o colega manter-se de mão estendida inicia a seguinte contagem:
— Já
sei: ímpa, pa, ímpa, pa, ímpa, pa...
E deu-se início ao desvendamento
da incógnita do par ou impar...