sexta-feira, 25 de julho de 2014





ÍMPAR, PAR
Aquela bola havia surgido do nada.
A situação que antecedia sua aparição era terrível. Um tédio quase melancólico (se é que se pode sentir melancolia nessa idade) tomava conta daqueles dois seres jovens nas suas existências. Uma languidez se apossava daqueles físicos mirrados.
Debaixo daquela frondosa árvore, sem assunto, sem nada para fazer. Estavam assim. Naquele momento tudo o que tinham para se distrair era apreciar uma formiguinha que passava sorrateira, provocando inveja por conta de tantos preenchimentos de vida. Um ou outro inseto que saltava naquela grama, ora verde, ora seca, por entre um ou outro arbusto de mato mais crescido. Um suspiro aqui, outro ali.
Assim, a tarde caía tediosa, lenta, as horas se arrastavam.
Vez por outra, a brisa marinha vinha embalar os galhos daquela árvore que abrigava as duas pessoas que se refugiavam na sua sombra, bom a fazerem de banco sua volumosa raiz.
De vez em quando se olhavam lânguidos, suspiravam fundo e, tornando a descansar o queixo numa das mãos, volviam a posição de silêncio e reflexão, como se o mundo lhes pesasse, como se a vida lhes fosse um estorvo sem fim, sem cor, sem sabor.
Do nada, simplesmente do nada, de repente aquela bola surge rolando lentamente no gramado, alegre, convidativa, transformando o drama, e como num sopro gigantesco e instantâneo, aqueles dois seres foram tomados de uma imensa alegria. Olharam-se simultaneamente como numa cena ensaiada, sorriram mutuamente, saltaram imediatamente para o meio de um campinho que existia logo adiante, compartilhando quase que telepaticamente da mesma ideia:
— Vamos brincar?!
— “Vamu!” — falando erado ainda o nosso personagem.
— Vai pro gol. Eu chuto e tu defende! — Foi a proposta inicial.
— Ah não! Eu que “chuti!”.
— Essa não... Quem chuta sou!
— Ah não, primeiro eu!
— Então tá bom, vamos tirar par ou impar!
— Tá bom, tá certo!
— Um, dois, três e já: ímpa!
— Par!
Estendidas as mãos, puseram-se a olhar um para outro. Renan e Felipe contavam à época uns quatro anos de idade; não sabiam identificar par nem ímpar. Eles apenas repetiam os gestos dos adolescentes que assistiam jogar bola no mesmo campinho na vila em que moravam.
Renan segurava firmemente a bola numa das mãos e Felipe, sério, atento ao menor movimento do parceiro como se estivesse a espreita de uma caça. Assim ficaram por algum tempo, cismando um com o outro. Até que Felipe teve a ideia e mandando o colega manter-se de mão estendida inicia a seguinte contagem:
Já sei: ímpa, pa, ímpa, pa, ímpa, pa...
E deu-se início ao desvendamento da incógnita do par ou impar...    

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