quinta-feira, 26 de março de 2015



ASSIM...

Anda assim o meu amor
Comprometido do ser
Ver, sem poder abraçar,
Amar, e não poder ter!

                             Júlia Câmara

domingo, 22 de março de 2015



A MODELAGEM
Ana Luísa cresceu muito livre, chancelada pelo pai, numa liberdade educada e então, equilibrada. Com isso, era uma criança tranquila e segura nas suas atitudes. Brincalhona e espirituosa desde cedo, encarava a vida com alegria e de frente.
Da fase de criança para a adolescência, passou por todas aquelas difíceis transformações que o crescimento nos impõe. Assim sendo, usou bota ortopédica, óculos, fez fonoaudióloga para corrigir a arcada dentária e aprender a falar corretamente, aeróbica para desenvolver a coordenação motora que era comprometida a moda de “slow motion”, natação para desenvolver a musculatura, teatro para aprender a ser disciplinada e organizada com suas coisas. Enfim, uma bateria de fazeres e afazeres que se fizeram necessários para a lapidação da pessoa que é nos dias de agora, Ana Luísa. Tudo isso foi orientado por uma psicopedagoga.
Nesse período todo de muitos horários e compromissos por conta do melhoramento e condicionamento físico, o que mais nos ajudava como pais, era o fato de nossa Luísa com tantos ajustamentos se achar, se ver e sentir A BELA. Na primeira fase de sua adolescência, ninguém era mais do que ela em nenhum quesito, e os mais considerados eram: beleza e inteligência, sem contar outros de menor importância. No entanto, Luísa, não era exatamente o que se julgava ser.
Por esta razão, o pai muito cauteloso e ocupado em não desencadear aborrecimentos desnecessários, para tão difícil período da vida (a adolescência), encaminha-se para uma academia de ginástica que havia na vila militar onde residiam na época, em busca de contratar os serviços do professor de educação física. Adilson, o professor de musculação, bem humorado e solicito recebe Carlos que explica ao profissional:
— Vim encomendar uma cintura.
— Pois não! Diga o diâmetro e estabeleça as medidas que eu moldo. Diga também pra quando quer o serviço!
— Pra ontem meu amigo!
— Muito bem!
— Detalhe significativo: a criatura que vou lhe enviar, sente-se a mais bela entre as deusas do planeta, por favor, não me estrague o empenho.
Serviço contratado, despedidas feitas, Carlos toma o rumo de casa e lá chegando comunica a Luísa que ela está contemplada com as tão almejadas aulas de musculação na academia. Foi uma felicidade. Corremos à comprar umas malhas adequadas para a ocasião. Um verdadeiro martírio a escolha posto que haviam modelos belíssimos e um mundo de fantasias “adolescênticas”, esperando para serem transformadas em realidade. Providenciamos também, uma depilação, descoloração de pelos e tudo o mais que foi ao ver de Luísa, necessário para a grande estreia.
Numa bela e ensolarada tarde de verão, Luísa, sentindo-se pronta, caminha feliz para a academia do professor Adilson, e lá chegando, apresenta ao profissional, a foto de uma belíssima modelo, e autoritária exclama:
¾   Olha bem... É pra fazer ficar desse jeito entendeu!? — o professor então já conhecedor da personalidade da nova aluna, responde imperativo:
¾   Olha aqui, eu não sou Deus não, nem macumbeiro viu!?            



sábado, 14 de março de 2015




O GATO                              
         Na geladeira de manhã muito cedo havia um bilhete: “Pai e mãe, fui caminhar pela quadra D e caçar uns gatinhos”.
         Não se preocupem!
         Beijos.
                                                           Luísa.
                                                                           Recife, maio/97.
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         Carlos não ligou, achou que era tolice da Luísa.
         Na noite que antecedeu essa manhã, avisei-o do plano de caça, mas ele não ligou. O que o deixava tranquilo, era o horário estabelecido posto que, acordar cedo para Luísa era um martírio e para o Carlos um desafio diário.
         O tal bilhete marcava a hora das seis da manhã, era uma “coisa” extraordinária. Ana Luísa?! Levantar por conta própria?! Nesse horário?! Jamais! E por isso, Carlos, pai de Ana Luísa que contava a época doze anos, deu pouca importância ao fato, organizou-se para estudar aproveitando o silêncio da casa, certo, muito certo que Luísa dormia.
         O relógio marcava nove horas da manhã, quando acordei com muito barulho. Havia um tumulto, uma confusão que parecia vir da cozinha. Atordoada, levantei-me e pude ainda presenciar o pai botando a filha para fora de casa pela porta da sala. Ela, com um gato enorme no colo, o qual tranquilamente aninhara-se em seus braços, e indiferente a confusão abanava suavemente o rabo para um lado e para o outro, muito manhoso com os carinhos e atenções que lhe eram dispensados naquele momento pela menina “caçadora”.
         Quão difícil havia sido aquela presa, uma verdadeira odisseia essa única captura que pelos cálculos de Luísa valeriam duas, dado o tamanho e peso do felino que eram consideráveis, então inquestionável era a duplicidade do seu valor monetário.
         Bem que ela tinha tentado outros felinos. Logo pela manhã, muito cedo mesmo, tinha amarrado ao tronco de uma frondosa árvore um gato também avantajado e saíra para caçar mais alguns posto que o seu objetivo financeiro não era modesto. Queria somar nada mais nada menos que quinze gatinhos. Depois de uma trabalhosa e tumultuada caçada, ao retornar à árvore para somar as presas, qual não foi sua surpresa ao ver que o gato havia escapado.  Lá, na frondosa árvore, havia tão somente a corda.
         Bem, de qualquer maneira, o dia estava ganho, agora bastava ir para casa, arrumar-se muito bem e caminhar para o circo onde um gatinho valia um real e cinquenta centavos. O que Luísa não contava, era com aquela atitude injustificável do pai, não permitindo que um “gatinho” tão lindo, transitasse dentro da casa enquanto ela recompunha-se num vigoroso banho. Quanto à questão, de vender o animal, para o circo alimentar os leões!? Bem... Isso está explicado pela própria natureza. E interroga ela:
         — Ou o senhor agora vai querer interferir TAMBÉM na cadeia alimentar?  
         O pai, afeito da conversa e bom entendimento, ficou sem resposta, restando-lhe a opção de fazer prevalecer a sua autoridade; alternativa da qual raramente lançava mão. Assim, por terra foram-se os planos capitalistas de Luísa, pois Carlos libertou o gato e pôs um ponto final no empreendedorismo de Luísa.
         Os dias passaram sem mais se tocar nesse assunto. Até fomos ao circo assistir o espetáculo que era de fato muito bonito. Lá, vimos sete leoas belas. Batemos fotos e tudo o mais. Chegamos mesmo a receber a atenção do dono do circo, senhor Orlando Orfei.
         Certa tarde, debruçada estava eu na sacada da área de serviço do apartamento, apreciando o bailar das árvores a mercê da brisa nordestina,   quando Luísa aproximou-se, silenciosa, pousou o braço em meu ombro e pôs-se a me fazer companhia. Lá em baixo, um gatinho saltava de um lado para o outro a caça de algum inseto. Luísa, com um olhar longo, lânguido e reflexivo exclamou:
         — Olha,... Um real e cinquenta centavos!   



quarta-feira, 4 de março de 2015



                    CHORAR AO VIVO                                 

Havia uma preocupação compartilhada por todos da família sobre questões de saúde, “de funerais”. Era preciso estabelecer um planejamento, determinar prioridades, se cotizar, eleger um plano de saúde, uma funerária que coubesse no bolso de todos.
Distante da família nuclear por oito anos, dos quais somente por duas vezes pôde vir passar às festas de final de ano, com toda a sua prole, por questões também de conciliamento de férias, cursos, possibilidades salariais e outros, posto que toda família tinha ocupação, Júlia, preocupava-se em acertar esses acordos por ocasião da reunião de todos. Era preciso não deixar a oportunidade passar. Contudo, eram poucos os momentos de privacidade para tais acertos e assuntos na casa. Havia um constante ajuntamento de parentes, bom a relembrar coisas da infância e outras épocas da vida. Depois, tinha que se ter muito zelo com os mais velhos, pois, a principal preocupação do assunto, era pertinente diretamente a esses, posto que, pela ordem natural dos fatos e dos acontecimentos, muito provavelmente esses (os mais velhos), estavam classificados como a “bola da vez”. Era preciso, no entanto, não chocá-los, poupá-los de tão desagradável assunto. A hora era de considerações mil para com aqueles que se encontravam no outono da vida. Então, os acertos davam-se fortuitamente, de maneira que a menor possibilidade da presença de qualquer criatura de mais idade no compartimento da casa no qual se estava a abordar tais questões, logo fazia a conversa cambar para outro assunto qualquer, e de preferência que despertasse imediatamente o interesse desses outros, para dessa forma despistá-los mesmo, do assunto principal que era um provável funeral.
Deste modo, a árdua tarefa foi aos poucos tomando formato, com menores e maiores aperreios e percalços, todavia sempre caminhando.
Estavam assistindo televisão: Inês, dona Lindinaura, com a cadeira de balanço posta um pouco mais à frente da filha mais velha que era Júlia, e mais recuada por detrás das duas, encontrava-se Ligia. As três a apreciarem a novela. De repente, Júlia que era extremamente detalhista vira-se para Inês e sinaliza com muita discrição na intenção de não ser percebido pela velha mãe, e sussurra fazendo bocas e caretas num palavreado quase que codificado:
         — Mas... Você não acha que... Mandar o dinheiro para colaborar...  É mais jogo do que vir só pra... snif, snif? O da passagem já é uma ajuda e tanto!! — no que dona Lindinaura, sentada na sua cadeira de balanço, com as mãos entrelaçadas e olhos postos na TV, sem se quer olhar para os lados, do alto do seu matriarcado, vigorosamente interpela:
         — O certo é vir chorar seu defunto ao vivo, honrar pai e mãe até o último momento. Ora essa de chorar via satélite, onde já se viu? Dinheiro dá-se o jeito! Que tanta economia é essa já!?
         E deu-se por finalizado e costurado inteiramente o acordo funério.