O GATO
Na geladeira de manhã muito cedo havia um bilhete: “Pai e
mãe, fui caminhar pela quadra D e caçar uns gatinhos”.
Não se preocupem!
Beijos.
Luísa.
Recife, maio/97.
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Carlos não ligou, achou que era tolice da Luísa.
Na noite que antecedeu essa manhã, avisei-o do plano de
caça, mas ele não ligou. O que o deixava tranquilo, era o horário estabelecido
posto que, acordar cedo para Luísa era um martírio e para o Carlos um desafio
diário.
O tal bilhete marcava a hora das seis da manhã, era uma
“coisa” extraordinária. Ana Luísa?! Levantar por conta própria?! Nesse horário?!
Jamais! E por isso, Carlos, pai de Ana Luísa que contava a época doze anos, deu
pouca importância ao fato, organizou-se para estudar aproveitando o silêncio da
casa, certo, muito certo que Luísa dormia.
O relógio marcava nove horas da manhã, quando acordei com
muito barulho. Havia um tumulto, uma confusão que parecia vir da cozinha.
Atordoada, levantei-me e pude ainda presenciar o pai botando a filha para fora
de casa pela porta da sala. Ela, com um gato enorme no colo, o qual tranquilamente
aninhara-se em seus braços, e indiferente a confusão abanava suavemente o rabo
para um lado e para o outro, muito manhoso com os carinhos e atenções que lhe
eram dispensados naquele momento pela menina “caçadora”.
Quão difícil havia sido aquela presa, uma verdadeira odisseia
essa única captura que pelos cálculos de Luísa valeriam duas, dado o tamanho e
peso do felino que eram consideráveis, então inquestionável era a duplicidade
do seu valor monetário.
Bem que ela tinha tentado outros felinos. Logo pela manhã,
muito cedo mesmo, tinha amarrado ao tronco de uma frondosa árvore um gato
também avantajado e saíra para caçar mais alguns posto que o seu objetivo
financeiro não era modesto. Queria somar nada mais nada menos que quinze
gatinhos. Depois de uma trabalhosa e tumultuada caçada, ao retornar à árvore
para somar as presas, qual não foi sua surpresa ao ver que o gato havia
escapado. Lá, na frondosa árvore, havia
tão somente a corda.
Bem, de qualquer maneira, o dia estava ganho, agora bastava
ir para casa, arrumar-se muito bem e caminhar para o circo onde um gatinho
valia um real e cinquenta centavos. O que Luísa não contava, era com aquela
atitude injustificável do pai, não permitindo que um “gatinho” tão lindo,
transitasse dentro da casa enquanto ela recompunha-se num vigoroso banho.
Quanto à questão, de vender o animal, para o circo alimentar os leões!? Bem... Isso
está explicado pela própria natureza. E interroga ela:
— Ou o senhor agora vai querer interferir TAMBÉM na cadeia
alimentar?
O pai, afeito da conversa e bom entendimento, ficou sem
resposta, restando-lhe a opção de fazer prevalecer a sua autoridade; alternativa
da qual raramente lançava mão. Assim, por terra foram-se os planos capitalistas
de Luísa, pois Carlos libertou o gato e pôs um ponto final no empreendedorismo
de Luísa.
Os dias passaram sem mais se tocar nesse assunto. Até fomos
ao circo assistir o espetáculo que era de fato muito bonito. Lá, vimos sete
leoas belas. Batemos fotos e tudo o mais. Chegamos mesmo a receber a atenção do
dono do circo, senhor Orlando Orfei.
Certa tarde, debruçada estava eu na sacada da área de
serviço do apartamento, apreciando o bailar das árvores a mercê da brisa
nordestina, quando Luísa aproximou-se,
silenciosa, pousou o braço em meu ombro e pôs-se a me fazer companhia. Lá em
baixo, um gatinho saltava de um lado para o outro a caça de algum inseto.
Luísa, com um olhar longo, lânguido e reflexivo exclamou:
— Olha,... Um real e cinquenta centavos!