sábado, 14 de março de 2015




O GATO                              
         Na geladeira de manhã muito cedo havia um bilhete: “Pai e mãe, fui caminhar pela quadra D e caçar uns gatinhos”.
         Não se preocupem!
         Beijos.
                                                           Luísa.
                                                                           Recife, maio/97.
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         Carlos não ligou, achou que era tolice da Luísa.
         Na noite que antecedeu essa manhã, avisei-o do plano de caça, mas ele não ligou. O que o deixava tranquilo, era o horário estabelecido posto que, acordar cedo para Luísa era um martírio e para o Carlos um desafio diário.
         O tal bilhete marcava a hora das seis da manhã, era uma “coisa” extraordinária. Ana Luísa?! Levantar por conta própria?! Nesse horário?! Jamais! E por isso, Carlos, pai de Ana Luísa que contava a época doze anos, deu pouca importância ao fato, organizou-se para estudar aproveitando o silêncio da casa, certo, muito certo que Luísa dormia.
         O relógio marcava nove horas da manhã, quando acordei com muito barulho. Havia um tumulto, uma confusão que parecia vir da cozinha. Atordoada, levantei-me e pude ainda presenciar o pai botando a filha para fora de casa pela porta da sala. Ela, com um gato enorme no colo, o qual tranquilamente aninhara-se em seus braços, e indiferente a confusão abanava suavemente o rabo para um lado e para o outro, muito manhoso com os carinhos e atenções que lhe eram dispensados naquele momento pela menina “caçadora”.
         Quão difícil havia sido aquela presa, uma verdadeira odisseia essa única captura que pelos cálculos de Luísa valeriam duas, dado o tamanho e peso do felino que eram consideráveis, então inquestionável era a duplicidade do seu valor monetário.
         Bem que ela tinha tentado outros felinos. Logo pela manhã, muito cedo mesmo, tinha amarrado ao tronco de uma frondosa árvore um gato também avantajado e saíra para caçar mais alguns posto que o seu objetivo financeiro não era modesto. Queria somar nada mais nada menos que quinze gatinhos. Depois de uma trabalhosa e tumultuada caçada, ao retornar à árvore para somar as presas, qual não foi sua surpresa ao ver que o gato havia escapado.  Lá, na frondosa árvore, havia tão somente a corda.
         Bem, de qualquer maneira, o dia estava ganho, agora bastava ir para casa, arrumar-se muito bem e caminhar para o circo onde um gatinho valia um real e cinquenta centavos. O que Luísa não contava, era com aquela atitude injustificável do pai, não permitindo que um “gatinho” tão lindo, transitasse dentro da casa enquanto ela recompunha-se num vigoroso banho. Quanto à questão, de vender o animal, para o circo alimentar os leões!? Bem... Isso está explicado pela própria natureza. E interroga ela:
         — Ou o senhor agora vai querer interferir TAMBÉM na cadeia alimentar?  
         O pai, afeito da conversa e bom entendimento, ficou sem resposta, restando-lhe a opção de fazer prevalecer a sua autoridade; alternativa da qual raramente lançava mão. Assim, por terra foram-se os planos capitalistas de Luísa, pois Carlos libertou o gato e pôs um ponto final no empreendedorismo de Luísa.
         Os dias passaram sem mais se tocar nesse assunto. Até fomos ao circo assistir o espetáculo que era de fato muito bonito. Lá, vimos sete leoas belas. Batemos fotos e tudo o mais. Chegamos mesmo a receber a atenção do dono do circo, senhor Orlando Orfei.
         Certa tarde, debruçada estava eu na sacada da área de serviço do apartamento, apreciando o bailar das árvores a mercê da brisa nordestina,   quando Luísa aproximou-se, silenciosa, pousou o braço em meu ombro e pôs-se a me fazer companhia. Lá em baixo, um gatinho saltava de um lado para o outro a caça de algum inseto. Luísa, com um olhar longo, lânguido e reflexivo exclamou:
         — Olha,... Um real e cinquenta centavos!   



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