CHORAR AO VIVO
Havia uma preocupação
compartilhada por todos da família sobre questões de saúde, “de funerais”. Era
preciso estabelecer um planejamento, determinar prioridades, se cotizar, eleger
um plano de saúde, uma funerária que coubesse no bolso de todos.
Distante da
família nuclear por oito anos, dos quais somente por duas vezes pôde vir passar
às festas de final de ano, com toda a sua prole, por questões também de conciliamento
de férias, cursos, possibilidades salariais e outros, posto que toda família tinha
ocupação, Júlia, preocupava-se em acertar esses acordos por ocasião da reunião
de todos. Era preciso não deixar a oportunidade passar. Contudo, eram poucos os
momentos de privacidade para tais acertos e assuntos na casa. Havia um
constante ajuntamento de parentes, bom a relembrar coisas da infância e outras
épocas da vida. Depois, tinha que se ter muito zelo com os mais velhos, pois, a
principal preocupação do assunto, era pertinente diretamente a esses, posto
que, pela ordem natural dos fatos e dos acontecimentos, muito provavelmente esses
(os mais velhos), estavam classificados como a “bola da vez”. Era preciso, no
entanto, não chocá-los, poupá-los de tão desagradável assunto. A hora era de
considerações mil para com aqueles que se encontravam no outono da vida. Então,
os acertos davam-se fortuitamente, de maneira que a menor possibilidade da
presença de qualquer criatura de mais idade no compartimento da casa no qual se
estava a abordar tais questões, logo fazia a conversa cambar para outro assunto
qualquer, e de preferência que despertasse imediatamente o interesse desses
outros, para dessa forma despistá-los mesmo, do assunto principal que era um
provável funeral.
Deste modo, a
árdua tarefa foi aos poucos tomando formato, com menores e maiores aperreios e percalços,
todavia sempre caminhando.
Estavam assistindo
televisão: Inês, dona Lindinaura, com a cadeira de balanço posta um pouco mais
à frente da filha mais velha que era Júlia, e mais recuada por detrás das duas,
encontrava-se Ligia. As três a apreciarem a novela. De repente, Júlia que era
extremamente detalhista vira-se para Inês e sinaliza com muita discrição na
intenção de não ser percebido pela velha mãe, e sussurra fazendo bocas e
caretas num palavreado quase que codificado:
— Mas... Você não acha que... Mandar o dinheiro para
colaborar... É mais jogo do que vir só
pra... snif, snif? O da passagem já é uma ajuda e tanto!! — no que dona Lindinaura,
sentada na sua cadeira de balanço, com as mãos entrelaçadas e olhos postos na
TV, sem se quer olhar para os lados, do alto do seu matriarcado, vigorosamente
interpela:
— O certo é vir chorar seu defunto ao vivo, honrar pai e mãe
até o último momento. Ora essa de chorar via satélite, onde já se viu? Dinheiro
dá-se o jeito! Que tanta economia é essa já!?
E deu-se por finalizado e costurado inteiramente o acordo funério.
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