quarta-feira, 27 de agosto de 2014


LANCHE X PAI          
Edgar cursava o segundo ano do ensino fundamental na escola militar da Aeronáutica “Tenente Rêgo Barros” localizada em Belém do Pará.
        A escola era uma referência e por isso também estudavam lá filhos de pessoas importantes do cenário político local como, por exemplo, filhos do Governador do Estado e Prefeito do município de Belém. Dessa forma, as classes sociais se misturavam; coisa que somente a escola possibilita em termos de amizade e envolvimento de camada social.
Essas crianças, filhos de autoridades, tinham muitos benefícios econômicos; já naquela época portavam celulares, tinham computadores de última geração, carro com ar condicionado e motorista, um material escolar recheado de objetos importados e uma série de outras grandes e pequenas prerrogativas que fazia despertar nos colegas menos abastados, interesses e desejos que seus assalariados pais não podiam atender.
        Para Edgar o que mais o atraía era o fato desses meninos terem o poder da grana que lhes permitia lanchar na bela lanchonete da escola quanto e quando quisessem, sem se preocupar com preço das coisas. Isso era sedutor.
        Determinado, Edgar agenda com seu pai Carlos uma audiência para resolver essa questão alimentar. Explica ao ouvinte atento seu anseio de comer na dita lanchonete da escola “hambúrguer”, “milk sheik”, “banana split” e outras coisas mais. E, para tanto, ele gostaria que o pai passasse a lhe dar semanalmente o dinheiro do lanche. Não queria mais levar a merendeira. Carlos pondera tentando fazê-lo ver, inicialmente, o valor nutricional de sua merenda. Contudo, o aluno está irredutível e insiste no seu objetivo com emprenho. Então o pai lhe explica com que carinho e boa vontade a mãe lhe prepara aquela merenda; que ele irá tirar dela esse prazer. Tudo em vão. Edgar faz ver ao pai a sua questão pessoal, a sua necessidade de se atender e se fazer feliz através da realização daquele desejo latente. Numa última tentativa, Carlos esclarece que não poderia favorecê-lo em questões de dinheiro para gastos na escola, pois as outras duas irmãs com razão reclamariam os mesmos direitos e o orçamento não comportava essa despesa. Porém, o menino explica ao pai que isso já não era problema dele. Naquele momento a condição dele era de filho, questões financeiras cabiam ao pai resolver. Assim sendo, Carlos pede-lhe uma semana para dar solução a questão.   
        Os dias pareciam se arrastar para Edgar que, no entanto, mantinha-se aguardando sem pressionar o pai. E passado uma semana, Carlos senta-se na garagem da casa com seu rebento e com voz de locutor anuncia:
        — Arranjei uma solução para nossa questão! Ela consiste no seguinte: Falarei com o pai de um desses seus colegas que leva dinheiro para lanchar na escola e acordaremos uma troca. Ele, o outro pai, ficará com você e eu com o filho dele. Você terá um novo lar, outro pai e seu lanche; eu aqui terei um novo filho com quem poderei constituir uma nova relação. Jogaremos peteca e bola, empinaremos papagaio, iremos ao clube nos finais de semana e sempre que eu sair de bicicleta poderei levar meu “novo filho” junto. Creio que para ele, o menino que virá lhe substituir, será muito bom. Pra mim será, com certeza, um novo amigo, uma nova relação de amizade. Acho que iremos nos dar muito bem. Será de fato uma grande experiência! Fez-se um imenso silêncio. Passados alguns minutos, Carlos estimula:
— Então? O que acha? Edgar olha para o pai com severidade, a testa franzida, os olhos fixos nos do pai muito, muito amado. Mudo permanece. Um profundo silêncio toma conta do ambiente onde a conversa acontece. Ficam os dois lá parados se olhando sérios. Aquele pai de trinta e dois anos de idade e seu filho com sete anos de existência. Quebrando o silêncio o pai insiste:
        — Não tem pressa! Dou-lhe uma semana para responder.
        — Não preciso de uma semana. Eu fico mesmo com o lanche da mamãe!                       
       




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